segunda-feira, 16 de março de 2009

O Poder das Palavras



O Poder das Palavras


Escrito por Cristovam Buarque
Quarenta anos atrás, as palavras se escondiam para não construir frases, por medo das conseqüências do que diziam. Agora, as palavras continuam se escondendo para não formar frases. Por desesperança diante do que vão dizer.Falar de uma civilização que está aquecendo o planeta em uma rápida marcha rumo à desarticulação do tênue sistema que mantém a vida e do equilíbrio com o qual funciona a natureza e sobrevivem bilhões de seres humanos; ameaçando destruir, em nome do progresso, o patrimônio construído até aqui, após dez mil anos de evolução.Dizer da desigualdade criada por esse progresso, que começa a fazer os homens diferentes, mais do que desiguais, provocando uma mutação biológica que fará os que podem ter os produtos do avanço técnico viverem mais, com mais inteligência e saúde, e bilhões viverem pouco, doentes, esfomeados, sem instrução.Ou falar de um tempo no qual, graças a esse avanço técnico, armas são chamadas de “inteligentes” – o que mata a ética e desmoraliza o conceito de inteligência – e são usadas indiscriminadamente contra povos indefesos e crianças cujo único erro foi estar no local escolhido como alvo, conforme o gosto dos governantes, seus interesses políticos ou suas patologias psicológicas, ou ainda pior, a vontade de vingança dos seus eleitores.Ou contar que, em nome dos oprimidos, muitos terminam do lado de ditadores e terroristas que agem fora da lei, apenas para ficar contra governantes perversos que agem dentro de uma lei fabricada por eles próprios, e saber que esses terroristas em breve terão armas de destruição em massa para serem usadas contra povos inteiros, desarmados, somente para atingir um ou outro governo.E duvidar que a democracia, que resistiu 2.500 anos como sendo a excelência na forma dos homens se relacionarem, comece a ficar obsoleta diante do choque entre o curto prazo do egoísmo nacional com o qual eleitores escolhem e eleitos decidem e o longo prazo das conseqüências dessas decisões e seus efeitos planetários. E perceber que o poder corrompe até os incorruptíveis, senão pela ganância, pela insensibilidade com a qual a realidade que deveria ser modificada termina aceita com naturalidade, mesmo nos mais perversos e malditos defeitos que deveríamos combater.E narrar a desesperança ao perceber, depois de décadas lutando para que a esperança saia dos livros e vire realidade, que a realidade mata a esperança, que no lugar de chegarmos ao futuro sonhado continuamos na mesma e inexorável marcha das coisas, não importa qual seja o governo escolhido.Desesperança e medo de imitar as palavras e querer se esconder diante do que estamos construindo, ou do que deixamos de construir, por falta de ética para construir o que sonhamos, de ousadia para tentar novos caminhos, de vontade para continuar na mesma onda do passado, e por excesso de egoísmo e falta de solidariedade para com os excluídos, por serem pobres hoje ou por ainda não terem nascido.Quando comecei a escrever, as palavras se escondiam para não fazerem frases, com medo das conseqüências do que diziam. Mas apesar do medo, uma força maior as fazia surgirem, se encontrarem e escreverem as frases que as uniam.
Agora, as palavras continuam se escondendo para não formar frases, por desesperança diante do que vão dizer. Mas apesar da desesperança, elas continuam surgindo e escrevendo, em nome da esperança que mata o medo, impede o silêncio e nos obriga a dizer as coisas.Porque, apesar do medo e da desesperança que assustam as palavras, sua força lhes dá vontade de nascer, apostar no futuro, retomar a esperança, sem medo de escrever.
Publicado no Jornal do Commercio do dia 1º de outubro de 2004

Cristovam Buarque é Ph.D. em Economia. Foi governador do Distrito Federal (1995-98), em 2002 elegeu-se senador pelo PT com a maior votação dada a um político no Distrito Federal. Foi Ministro da Educação (2003-04). É membro do Instituto de Educação da Unesco
postagem: walter vieira
imagem: net

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